O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação
civil pública (ACP) para que o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) - autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente – reverta a decisão de transferir a gestão da Floresta Nacional
(Flona) de Assú para Mossoró (RN). Essa mudança, que não passou por qualquer
debate, tende a prejudicar a organização e fiscalização da unidade, que possui
grande relevância ambiental e social na região do Vale do Açu.
A Portaria nº 433/2020 do ICMBio instituiu o Núcleo de
Gestão Integrada (NGI) de Mossoró, que reunirá também a administração de outras
duas unidades de conservação (UCs): Esec do Castanhão e Parna da Furna Feia.
Embora o documento fale em maior integração do trabalho e otimização de
recursos, o procurador da República Victor Queiroga (autor da ACP) alerta que a
decisão foi tomada sem qualquer debate técnico prévio, em meio à situação
excepcional da pandemia, e representará redução na proteção da floresta, uma
vez que os servidores seriam transferidos para Mossoró.
“Se um dos argumentos utilizados para a criação do NGI
Mossoró é a otimização de recursos, como imaginar que a autarquia arcará com
custos de diárias, combustíveis e outras despesas para que servidores se
desloquem os 70 km de Mossoró até Assú (o município onde se encontra a unidade
e cujo nome é escrito de forma diferente do vale) para fiscalizar a Flona?”,
questiona o procurador. Além disso, unidades maiores que a de Açu ou mais
próximas a Mossoró do que a do Castanhão (que fica a 213 km) não foram
incluídas, demonstrando a falta de critérios da decisão.
Para o MPF, a integração de UCs em uma única estrutura
deveria respeitar, além da proximidade, a característica dessas áreas. O modelo
de gestão e as atividades desenvolvidas na Flona, porém, são incompatíveis com
o sistema de NGI nos moldes apresentados pelo ICMBio, “dada a diferença da
finalidade dessa unidade em relação às outras duas agrupadas por meio da portaria”.
Passando a boiada - Na ACP, o Ministério Público Federal
afirma não poder ignorar as recentes declarações do ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, que durante uma reunião interministerial declarou ser esse
momento da pandemia o ideal para “ir passando a boiada” e mudar todo o
regramento ambiental, longe da atenção da opinião pública. Para o procurador, é
perceptível o objetivo de “destruir o arcabouço normativo existente no Brasil
acerca da defesa do meio ambiente, em uma manifesta oposição ao princípio do
desenvolvimento sustentável”.
No caso da Flona de Assú, que já conta atualmente com uma
condição precária em termos de recursos materiais e humanos, as decisões podem
representar graves riscos.
“Na contramão da necessidade de um processo de fortalecimento
da unidade, o ICMBio busca 'cortar o mal pela raiz', acabando com a própria
estrutura fiscalizatória na unidade”, lamenta Victor Queiroga, temendo que
se estabeleça uma fiscalização de “faz de conta”.
Ao longo dos últimos anos, o Brasil tem registrado um
aumento no desmatamento dentro das unidades de conservação e o ICMBio vem sendo
enfraquecido, com a exclusão do Conselho Nacional do Meio Ambiente, redução do
orçamento e diminuição do número de servidores lotados nas UCs.
Floresta - A Flona de Assú existe desde a década de 1950 e
sofre grande pressão urbana, por se localizar junto à área da cidade do Assú.
Por outro lado, essa proximidade tem feito da unidade um espaço educacional,
científico e de lazer, com amplo valor cultural e ambiental para os cidadãos da
região. A unidade possui relevante papel na recarga do aquífero e na manutenção
da Lagoa do Piató, a maior do estado, sendo ainda sede de pesquisas biológicas
e estudos climáticos reconhecidos internacionalmente.
A Flona possui oficialmente uma área de 215 hectares, que
poderá ser aumentada em mais 217 hectares em função do recebimento, nos autos
de uma ação judicial de natureza compensatória ambiental, de uma fazenda
vizinha que pertence ao ICMBio, mas que ainda não foi anexada à unidade de
conservação.
O Conselho da Flona nunca sugeriu a inclusão da unidade em
um NGI e o Plano de Manejo - elaborado em 2019 após outra ação ajuizada pelo
MPF - também não prevê a integração a esse modelo de gestão. A manutenção de estruturas
próprias, no entanto, nunca inviabilizou o trabalho colaborativo da Flona com
outras unidades de conservação.
Essa, aliás, não é a primeira tentativa de integrar a Flona
Assú a outras UCs. A partir de 2015 uma proposta semelhante já havia sido apresentada,
porém não chegou a ser adotada. Agora a portaria foi editada em meio ao cenário
de pandemia e sem promover um debate prévio com servidores e sociedade, nem
consultar gestores, técnicos ou conselhos consultivos das unidades envolvidas.
Ecossistema - O bioma caatinga, em termos proporcionais, é
o que possui menor área protegida por unidades de conservação. Isso aumenta a
relevância dos espaços existentes, que ajudam a amenizar o clima das regiões
próximas, além de servir de local de lazer, pesquisa, recreação, educação
ambiental, proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade e redução de
enchentes, proporcionando mais qualidade de vida aos cidadãos.
A ação do MPF pede a anulação da portaria quanto à Flona de
Assú e a adoção, por parte do ICMBio, de um debate plural, técnico e amplo
sobre o tema da reestruturação da gestão dessa floresta.
A ACP tramitará na Justiça Federal sob o número
0800241-72.2020.4.05.8403. Confira a íntegra.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social - Ministério
Público Federal no Rio Grande do Norte
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